Redes

A rede do computador não se dava com a passagem de aviões e ia-se abaixo. Eram desavenças antigas. Já tinha pensado mudar de casa, mas evitara-o sempre, pois gostava do sítio onde morava e, paradoxalmente, gostava de ouvir o som que faziam os aviões, que lhe era precioso para saber se chovia ou não. Do que não gostava era de que os aviões a deitassem abaixo, sobretudo quando estava quase a conseguir a ligação à inspiração, que costumava passar por ali mais ou menos nas horas em que os aviões passavam, pois viajava muito e era cosmopolita, já embalada de outras paragens, mundos e vidas. Tinha até um cartão especial, daqueles que acumulam pontos pelas milhas das viagens... Diziam-lhe para ter paciência, que a coisa era passageira e só a algumas horas do dia e da noite. Que se ligasse fora dessas horas, que não custava muito e fazia bem ao stress da utilização do computador. Que saísse mais e convivesse, logo agora que o tempo bom parecia querer manter-se...
Estranhou, por isso, que naquele dia as coisas se aguentassem melhor. Ficou intrigada e perguntou a quem sabia o que é que se estava a passar. Disseram-lhe que era por causa da greve dos pilotos e que ainda não se sabia se iria durar ou não. Se já era pelo direito à greve, por esta era mais ainda. E foi isso que gritou a plenos pulmões, agora mais fortes desde que deixara de fumar. Os vizinhos não gostaram e chamaram a polícia. Defendeu-se dizendo que estava a comemorar, pois já não ia abaixo tão frequentemente. Mesmo assim não se comoveram e aplicaram-lhe uma coima, por já não serem horas para fazer barulho. Passou um avião. Ia chover.