Seguindo o rasto...
Um bocejo, um dedo do meio esticado, quando não um sapato que se atira na direcção visada, são a resposta ao piscar de olho e à provocação da pergunta, talvez entremeado com um rosnar entre dentes: «Não perdes pela demora...». Que chega logo, honra lhe seja feita, como se estivesse aguardar a sua vez para subir ao palco, talvez com efeitos especiais e sonoros alaridos. Adelante!
As fontes tinham dado o alerta. Diziam-me: mantém-te atento que a coisa acontece. Até lá, bebe um fino ou dois, vá lá, três, se estiveres com companhia e a conversa puxar por isso, nunca esquecer que a saliva é pouca nestes momentos de cavaqueira ou de debate ao correr do tempo, mas não passes dessa conta, que é aquela que Deus fez.
Era uma das vantagens deste tipo de fontes, as moderadas e temperadas, certas e certinhas no pingar de uma cacha ou outra, habitualmente uma coisa suave, sempre com conta, peso e medida. Mas às vezes com algum picante, como esta, de que o personagem que devia entrevistar tinha contactos privilegiados nas altas esferas militares de um país estrangeiro, mas de que não posso revelar o nome, por razões deontológicas e de segurança, de certo compreendem esta relutância...
Perguntado onde estaria asilado tal personagem, foi-me dito que seguisse o rasto dos caças-bombardeiros, era disto que se tratava, e que, à cautela, levasse um capacete na cabeça, sob pena de não ter autorização para entrar no «bunkére» (sic).
Intrigado, perguntei o que fazer se por acaso o rasto se tivesse perdido e se havia alguma forma alternativa de poder dar com o «bunkére». Olhando para todos os lados, pareceu-me que com algum receio, suspeitei, a fonte fez-me sinal e apontou para uma casa, mais ou menos a 50 metros do sítio onde estávamos e desapareceu, desatando a fugir e aos berros de que não era responsável por nada e que não me conhecia de lado nenhum, o que não deixava de ser estranho, pois tínhamos acabado de beber quatro ou cinco finos, pagos por mim, fazia questão, pois era trabalho...
Por sorte, tinha trazido o meu capacete de espeleologista, que andava sempre comigo, e pus-me a andar para a casa que a fonte me apontara e, lá chegado, bati à porta, três toques curtos e um longo, aprendera esta senha nos filmes e nos livros de espionagem, sabia que funcionava e era uma espécie de código certificado.
Quem me abriu a porta não estranhou a minha presença, pondo-me à vontade e dizendo-me que já estava à minha espera, pois um dos pilotos dos caça-bombardeiros mandara-lhe uma mensagem, codificada, é claro, alertando-o de que eu estava a aparecer.
Estava visto que ter conhecimentos destes não era para toda a gente, foi a conclusão a que cheguei, e que talvez lhe pudesse fazer uma entrevista, caso o protocolo de segurança e a comunicação com os caça-bombardeiros não fosse colocada em risco, a minha intenção era apenas a de informar os leitores e dar a conhecer este apontamento de reportagem.
O homem olhou para mim e disse que não, lamentava, mas que eram horas de ir para o «bunkére». Como estava a contar ficar lá até ao próximo bombardeamento, não podia ser nada, que tentasse mais tarde. E fechou a porta, pondo-me na rua.
Começava a ouvir-se o troar dos aviões. Apertando o capacete na cabeça, procuro refúgio, por via das dúvidas. Do céu, em pára-quedas, desce um objecto. Aperto mais o capacete e começo a sentir suores frios. O objecto em pára-queda pousa: era uma cola. Não estava má.
(in Estava Lá, Mas por Acaso, pp.887)
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