O cluster dos lançamentos
A esposa perguntou-lhe que camisa, gravata e meias queria levar, e que não se esquecesse de pôr um pouco de perfume. A mãe também lhe telefonara a desejar boa sorte e que não se esquecesse de levar um agasalho (estava-se em Agosto e a temperatura prevista era de 35 graus) pois estava fresco, e se queria que lhe fizesse uma merendinha com uma omoleta, duas bananas, um sumo e um yogurte de morango, pois a cerimónia podia demorar ou, quem sabe?, não haver nada para comer. Agradeceu e com ternura relembrou à mãe de que já não era propriamente um menino e que tinha 72 anos. Que não se preocupasse.
Uma política consistente e estruturada permitira chegar ali com estes resultados: praticamente todo o habitante daquele país estava habilitado para publicar livros! Começando no jardim-escola e prosseguindo até à formação superior, todos estavam munidos de conhecimento e ferramentas que os credenciavam como autores de livros. Fora um investimento enorme do governo, com o inevitável recurso aos fundos comunitários, e o apoio generalizado e entusiástico das forças e actores sociais, transformando o sector editorial num cluster elogiado e invejado em todo o mundo, sem excepção, sob o lema: «Fazer de cada habitante um autor publicado, uma visão de e para o futuro». Como lema não era original, reconheça-se, mas os resultados tinham sido espectaculares! No espaço de duas gerações, o país tinha arrasado em todos os indicadores micro e macroeconómicos, transformando toda a santa alma daquele pedaço num autor publicado com direito a constar no catálogo da biblioteca nacional, e participante em sessões de autógrafos, animações culturais e afins, festas e romarias várias. E isto, era um facto: inquestionável, objectivo e animador.
Certo que nem tudo eram rosas, mas um ancestral hábito para o desenrasca, outra competência inata, trabalhada em todos os domínios do país, fazia com que as coisas acontecessem, umas vezes melhor, outras pior, contribuindo para o incrementar da performance e orgulho nacionais, cada vez mais à frente. E nesse dia, como em tantos outros anteriores e, seguramente, posteriores, essa verdadeira máquina editorial iria dar mostras, mais uma vez, do que fazia e era capaz de fazer. Mas não havia tempo a perder, pois as coisas estavam já marcadas há muito e tudo teria que ser feito como estava previsto e delineado: concentração, entrada no recinto, distribuição pelo espaço, apresentação, debate, beijos, abraços, palmadinhas nas costas ou nos ombros, autógrafo de dimensão e profundidade várias.
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