26 agosto 2020

Escrito na madeira

Abraçou a marcenaria e sabia que o seu destino não era o fado. Mais do que mesas e cadeiras, dedicou-se às estantes e ao que iriam mostrar, especializando-se na utilização do formão e da plaina. Mas não contara com uma proposta que alguém com olho para o negócio lhe fez, já não se recordava quem, mas empreendedor, sem dúvida, garantindo-lhe que o futuro estava no desbaste das peças, à procura de uma arte e de um conceito minimalista que não se escangalhasse à primeira rabanada de vento ou espirro mais veemente. E que experimentasse outros materiais, não tivesse receio. Como textos, por exemplo. Começou por vacilar e recusar a proposta, em princípio, pois o seu negócio era mais pregos, travessas, entalhes e afins. Para os textos havia os doutores, da mula ruça ou não, mas doutores, versados nessa difícil arte de colocar palavra a palavra e obter um texto. Agradecia, ficava muito sensibilizado, mas teria que descartar a oferta. Porém, como reconhecimento pela sugestão e totalmente de borla, ira fazer uma estante para o filho do empresário colocar o computador, a playstation e o phone. Mas o raio da proposta ficara a encher-lhe a cabeça... Aconselhando-se com a patroa, lá se dispôs a experimentar. Modesto, iria começar por baixo. Pediu ajuda aos especialistas do marketing: que lhe fizessem um cartaz, como os dos filmes, mas que pudesse ser pregado nas árvores, com os seguintes dizeres: «Desbastam-se textos finos e compridos e transformam-se em curtos e grossos. O orçamento é grátis».


Etiquetas: