Mundo
«Não tinha mundo», acusavam-no. Não julgava que fosse verdade e procurava demonstrá-lo: tinha mundo e este media 12 m2, com fronteiras claras, demarcadas a norte por um caixote a servir de secretária, um catre a sul em cima de uns tijolos, e duas espécies de estantes, uma a oriente, para acomodação da roupa, e outra a ocidente, acolhendo a biblioteca, útil e maneirinha, em línguas várias. É certo de que era difícil aumentá-lo, mais não fosse por causa das fronteiras do quarto, prevendo que a senhoria não o autorizaria. Mesmo sem autorização, havia momentos em que o mundo era expandido para lá dos 12 m2, para uns inimagináveis 13,5, o que já era muito, dadas as circunstâncias e por não ser feito às claras, excepto no dia da declaração da independência, mas era só uma vez por ano. O aumento das fronteiras também não era pacífico por causa da vizinha do quarto ao lado, reclusa por opção e com medo de marcianos, mas feroz defensora da imutabilidade de fronteiras, que vinham já do tempo dos seus avós, quando ambos se tinham deslocado para a grande cidade no tempo da corrida ao ouro, mas mantendo-se fiel às origens e ao bacalhau, doesse a quem doesse. Mas as coisas tinham avançado e muito. Começava-se a falar na alteração de fronteiras e em novas regras no prédio, parece que a determinar a mudança do mundo. Veria como seria. Com um bocado de sorte, talvez chegasse aos 14 m2. Era um sonho e a possibilidade de uma horta! Biológica, é claro.
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