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Há horas boas e horas más. Em rigor não é nada assim, mas dá jeito e serve sempre como explicação, dirão uns. Outros dirão que não, que há mesmo e não restam dúvidas sobre como é que se distinguem. Daí ser difícil contentar quem lê ou quem ouve a respeito disto. No seu caso, ficava-se pela primeira perspectiva. Mas já a sua prima não, vá-se lá a saber porquê... Mas que não restem dúvidas sobre as relações com a prima, que eram boas, de uma forma geral, e mais ou menos, como no caso das horas. Adiante que se faz tarde, diria a avó (ou seria o avô?). Por via das dúvidas, das confusões e das conclusões, vamos retirar a família do palco, que não é o melhor lugar. Escolhamos um lugar mais neutro, como o das transacções comerciais. E não, não vale rir. É mesmo com o adjectivo «neutro» que a coisa se carimba. Ponto final quanto a isto. Quem não gostar, muda de canal.
Começa-se por dar um tom ao ambiente: mais ou menos tranquilo, quase sereno, propício mais ao relaxe do que à ansiedade, de que tem que se dar sempre um cheirinho, note-se, para não ficar um texto ou uma história desenxabidos. Tirando isso, é relaxe puro. Quase idílico. Tudo encaixa, incluindo as pantufas.
Para não fugir à ansiedade, ouve-se o toque da campainha. Suave, num primeiro momento, mas que progressivamente se acentua. Apesar das pantufas, o ruído de passos denota que o aviso foi compreendido. Um cão late e um gato mia. Do papagaio não se ouve nada.
Aberta a porta, uma surpresa: a robot Sofia, ela mesmo, recém-chegada da Web Summit e com duas malas com rodinhas, pronta para asilar no apartamento. Após os cumprimentos, a hóspede famosa começa a instalar-se: uma mala para aqui, a cosmética para ali e os computadores em cima da mesa, que sem isso não passava. O dono da casa, ainda não refeito da surpresa, continuava firme e hirto. Entretanto, a Sofia pedia-lhe um café, pois estava «exausta». E deu início ao diálogo.
_ Desculpa lá, meu, mas não tive tempo de te avisar. Não vou dar muito trabalho. Quanto às despesas, apresentas a factura à organização. Há problema?
O dono do andar, que era um bocadinho surdo, apenas se limitou a sair do estado de firme e hirto e relanceou os olhos pela sala, em busca do cacete, reminiscência que ficara de um visionamento acentuado e aprofundado de filmes de ficção científica em que os protagonistas eram robots e acabavam por se revoltar, daí o acautelar… Voltou-se a ouvir o cão, que arranhava a porta para entrar. O gato não miou, desta vez, e o papagaio continuava impávido e sereno, o que era estranho. Fiel aos bons princípios, perguntou:
_ A menina desculpe, mas não recordo de a ter convidado cá para casa. É da família?
_ Não, pá. Sou a Sofia, a robot famosa da Web Summit. Não me reconheces?
_ Assim de repente... É das novelas?... Dos Apanhados?...
_ Não, meu. Da Web Summit, porra! Não vês as notícias?!...
_ Vejo.
_ Então?
_ Só costumo ver um, sempre o mesmo. Sabe qual é?
_ Sei lá qual é!... Passou em todos. Devias ter visto!
_ Que me lembre... Não tem prá aí um vídeo ou uma cassete onde se veja?
_ Xi, meu!... Um vídeo?!... Uma cassete?!... Em que mundo vives, mano?
_ Penso que no ocidental, não? Se for noutro, diga-me. Não se envergonhe.
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