01 novembro 2018

Uma Corega fresca, por favor!


Na cabeça, a história estava perfeitamente arrumada. Com mais ou menos esforço, uma pancadinha daqui, outra dali, conseguira enfiá-la no espaço que lhe estava destinado: simples, mas arejado. É certo que o tinha aspirado antes e dado uma demão, cores discretas, está bom de ver, e passado um pano molhado por causa do pó. Só quando se pôs a mirá-la do lado de fora é que se lembrou de que faltava «a Corega», essa mesma, aquela pastilhazinha que opera milagres nas próteses dentárias e, pelo vistos, dá jeito para condimentar uma história ou apimentar um pormenor.
O dia era de calor e convidativo à praia. No bairro, conhecido pela excelência, a vida corria tranquila e fluida, sem nada que incomodasse os residentes. Como em todos os bairros de excelência, a cordialidade e o bom trato eram conhecidos e praticados, quer nas actividades quotidianas quer nas de excepção. E nestas se incluía a ida à farmácia.
Não estavam muitos clientes. A fila não era grande e seguia ao ritmo do bairro, naquela cadência que se imagina e atendendo ao dia que estava. Entre comprimidos e pomadas, suplementos e vitaminas, chás e outros que tais, a conversa desenrolava-se compassada, aos ritmos latinos de um tango ou de um paso doble, ou de outras paragens, que também os havia.
Mas em todos os ambientes idílicos, mais ou menos, há sempre uma parte dissonante. Umas vezes por que sim, outras porque tem que ser, a maioria das vezes para se inventar ou sair de situações desconfortáveis, como a de uma dentadura que se colou aos restos de um cozido, de uma feijoada ou de um entrecosto mais duro, embora bem temperado. E era do que se tratava ali, desconhecendo-se qual o repasto, mas sobressaindo o apelo, angustiado e pungente, sobre a necessidade de «uma Corega» para o fim da fila…

Etiquetas: