30 dezembro 2017

Tômbola

Uma vez ou outra apostava na roleta das palavras. Hoje era um desses dias. Como era uma aposta cega, ficava com o que calhava. Mesmo assim, fez figas. De dentro de casa ainda lhe gritaram «Não te esqueças da pata do coelho!», mas já não foi a tempo. Para passar por baixo do escadote também não, uma vez que estava emprestado e não tinha lata para o pedir de volta. Só estava tranquilo quanto ao dia do mês e da semana. Entretanto, a roleta já andara. Tinha um palpite de que a coisa era capaz de sair, desta vez. Lá ficou à espera que a sms lhe desse sinal de entrada no telemóvel e fechou os olhos, continuando a fazer figas, o que fazia com alguma força e lhe começou a provocar uma pequena entorse num dos dedos, levando-o a abrandar. Mais a mais também já não era preciso continuar pois a sms entrara, fazendo o sinal característico de um bombardeiro que acabou de largar uma bombeca em qualquer lado (no novo ano talvez fosse melhor alterar este sinal, iria ver qual, mas tinha que o fazer, pois não tinham conta as vezes em que acabara com reuniões sérias e profundas, chatas também, em que os reunidos se atiravam para o chão e se metiam debaixo das mesas, embora muitos deles acabassem por lhe agradecer por ter liquidado a sessão em que os 'implementar', 'estratégia', 'objectivo' eram mais que muitos...).
Estava com algum receio do que aterrara, é certo, mas agora já não havia nada a fazer - já que apostara, teria que ver o que saíra. E o que saíra surpreendeu-o, obrigando a ter cuidado a descodificar o que lá estava dito e o que é que significava. A palavra que lhe saíra era das boas: «griô». E como é que sabia que era das boas? Fácil. Era só atentar no significado: «Relativo a ou pessoa que pertence a uma casta profissional de depositários da tradição oral africana, exercendo funções de poeta, cantor, contador de histórias e músico, a quem são frequentemente atribuídos poderes sobrenaturais». Como se via, tirando talvez a parte do «contador de histórias», era um significado que espelhava o que era, até parecia bruxedo! Ou, em linguagem de lotaria, a sorte grande e a terminação no mesmo bilhete.


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