08 janeiro 2017

Sinaleiro

Chegara à cidade com espírito positivo e compenetrara-se de que poderia dar um contributo na gestão do trânsito. Por isso, todas as manhãs, fizesse sol ou estivesse chuva, mas com maior ênfase nos dias de chuva, mais propensos ao caos, se posicionava nas passadeiras de peões e começava a gesticular para os automobilistas a conferir-lhes prioridade, como se fosse um sinaleiro, coisa que uns aceitavam e outros não, redobrando esforços nestes casos, muitas vezes em vão e contribuindo para o acumular das filas, mesmo nos dias de sol... Todos os dias era isto e todos os dias uns se riam e outros nem por isso, havendo inclusive quem pedisse medidas, que de riso ou indiferença tinham pouco...
E um dia as medidas chegaram, sob a forma da autoridade para o efeito, que lhe perguntou o que é que pensava que estava a fazer assim, de sinaleiro, sem os apetrechos regulamentares para tal, respectivamente o capacete, o apito e as luvas, entupindo e emperrando o trânsito, não podia ser, onde é que já se vira?!...
Parecendo não se dar conta de que a advertência era para si, aprumado e digno fez sinal de palma aberta para os carros ao mesmo tempo que metia a outra mão no bolso, provocando um frisson em quem presenciava a cena, dentro dos carros ou apeado, notando-se-lhes na cara a expectativa que se associa aos grandes momentos, bons ou maus, não interessa, mas ansiosos pelo que aí virá... E o que vinha do bolso era um garruço, de cores indistintas, umas luvas, de dedos cortados, e um apito dos rebuçados, daqueles que já não se  encontram, mas que funcionam... E o trânsito começou a fluir, sem filas ou congestionamento, com as pessoas a rirem-se, sem excepção. Chovia. Mas era como se estivesse sol.





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