À janela
O carro não ia com muita velocidade, pois era zona de passadeiras. Como estava calor, as janelas iam abertas. No lugar do co-piloto, um cão de raça indistinta, mas assim mais para o rafeiro, recostado e com a língua de fora, só lhe faltando uns óculos de sol, à laia de galã motorizado. No passeio, toda tremelicoques, uma cadelinha assim para o fino, de raça igualmente indistinta, mas selecta, erguendo a sua patita para um xixi perfumado (ou talvez não), gesto e odor suficientes para excitar o masculino canídeo, que não se conteve e soltou um ansioso béu-béu, salivando até mais não… Na plateia, os transeuntes ansiavam pelo desfecho, suscitando suspiros e uma ou outra lágrima, de tão comovidos, mas todos fazendo figas para que o carro parasse e o amor canino acontecesse, o trabalho ou a escola podiam esperar… Mas não foi o que aconteceu. Furioso (para não dizer outra coisa…), o dono da cadelinha vociferava contra a «pouca vergonha!» do cão e dos transeuntes, «uns depravados e uns porcos!», «gente baixa e sem educação», estava bem de ver, «uns malcriadões!»… Não se contendo, um dos visados virou-se e mandou-o «ir dar banho ao cão», neste caso cadela, mas perdoava-se-lhe… E o cão lambeu-lhe a mão.
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