A ideia
As ideias malucas ou estapafúrdias aparecem-lhe na rua. É um facto. Compreender porquê é que é mais difícil, embora tenha algumas suspeitas. A primeira delas tem a ver com o local onde se apresentam, a rua, espaço habitual para a toleira, mesmo que se possa pensar o contrário. Em casa costuma ser menos usual, por habitualmente ser definida como «castelo», logo mais protegida e mais imune à intrusão, por causa das ameias e dos fossos, inexpugnáveis, por isso. Quando aparecem, mesmo assim e apesar dos fossos e ameias, é porque algo não foi bem feito, sobretudo ao nível da construção…
Mas há outra razão, mais grave, para o aparecimento na rua: a ausência de carta ou de título de aparecimento, validado e creditado, homologado e com garantia. E aqui é que reside o problema, que é grande.
Imagine-se num dia como o de hoje, a puxar para o bom tempo. É um cenário que lhe agradará, provavelmente, justificando-se aqui o condicional da hipótese, pois haverá quem possa não ficar entusiasmado com essa perspectiva. Imagine-se, pois, nesse grupo dos que ficarão entusiasmados com a eventualidade e as possibilidades, que se adivinham imensas e radiosas.
Agora, imagine também que uma ideia, das tais malucas e estapafúrdias, lhe vem bater à cabeça, ao ombro ou ao pé, pouco importa a parte do corpo. A princípio e por causa do bom tempo, pensa que foi um qualquer moscardo ou besouro que lhe acertou, o que às vezes acontece. Quando se apercebe que não, a coisa «fia mais fino», mesmo que nunca lhe tenha passado pela cabeça (ou pelas mãos, sequer) o contacto com a nobre e intrincada arte da tecelagem, que é também uma zona de brincadeira para os amantes e as amantes dos textos…
Deixando-se das literatices da última frase, centra-se na questão do aparecimento da «tal» ideia, constatando, com surpresa, que a velocidade e o domínio do volante por ela revelado é do domínio do efabulatório e do delírio, mais que sujeita a multa e contraordenações várias, mesmo sem precisar de soprar num qualquer balão… E aí, assusta-se!
À primeira oportunidade, está visto, irá refugiar-se em casa, no tal «castelo». Lá chegado, calçará umas pantufas ou uns chinelos, preparará uma sandes e beberá uma cerveja, pois está calor, ou beberá um branquinho, se for mais dado à degustação enófila (à temperatura aconselhável, nunca se esqueça!). E então, mas só então, pegará no pires de moelas, nuns tremoços e numa travessinha de pão, sentando-se em frente da televisão. E, como é dia de bola, pode também convidar uma dessas ideias - essa mesmo, a maluca ou estapafúrdia de grau sete, numa escala de um a cinco - mas avise-a e relembre-lhe de que ali, no castelo, só se entra por convite…
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