10 junho 2016

Não estar bem a ver

Os tempos não estavam bons para a escrita. Ainda pensou em consultar o boletim meteorológico, mas rapidamente desistiu, pois receava que não lhe servisse de muito, dada a sua natural confusão entre as frentes frias e os anticiclones. Resignou-se e pensou que isso adviesse do síndrome do «não estás bem a ver», que às vezes lhe lançavam em cara, pese embora ainda se considerasse com boa vista. É certo que isso só acontecia quando a luz natural se impunha, pois quando a luz artificial era rainha as letras faziam por se entrecruzar, conferindo um certo efeito estético, é certo, mas pouco propício à leitura e ao entendimento das mensagens, razão de ser da escrita. Começava a ser boa ideia a hipótese dos óculos, mais a mais porque qualquer dia estávamos outra vez no Inverno e, já se sabe, a luz natural começava a escassear... Mas até lá ainda se julgava com folga, muita ou pouca logo se veria...
Ao contrário da escrita e da vista, cada uma delas já não completamente incólumes à usura e à luz, a memória ainda dava um ar da sua graça (excesso de optimismo, está visto, pois às vezes de graça tinha pouco...), mas que persistia em dar sinal de presença, agora que uma grande competição de futebol estava prestes a iniciar-se, desta vez em França e como Campeonato Europeu. Por uns dias, mais propriamente um mês, lá voltaria a conversa sobre jogos, jogadores e os árbitros, misturados com os golos que foram e os que poderiam ter sido, com uma profusão de «ses» por frases e comentários, ao som dos hinos, dos cantos e das cervejas. Por mais voltas que se dêem, não estava bem a ver que as coisas não fossem assim.

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