10 outubro 2015

Paragrafeiro


As coisas não tinham começado bem no curso de empreendedorismo. Tinha sido seleccionado para frequentar um onde lhe iriam ensinar a pescar sem peixe e sem cana e achou estranho, convencendo-se de que tinha sido uma falha da logística. Disseram-lhe que não, que era mesmo assim, e que era conveniente começar a frequentar o curso, por causa dos créditos, e também por causa das refeições, que previam sempre, como prato gourmet, um peixe pescado pelos próprios formandos, sem cana, de preferência, e fazendo uso das competências ensinadas e aprendidas.
Era da sua natureza avaliar as circunstâncias em que se encontrava e foi o que fez. Chegou à conclusão de que não iria voltar a pôr os pés no curso, mas solicitou uma alternativa. Disseram-lhe que assim não podia ser, que teria que fazer um requerimento e fazê-lo seguir para o Conselho, que era quem poderia dizer se isso poderia ser feito ou não. Até lá, que tivesse paciência e frequentasse o curso que funcionava duas portas à esquerda, no vão da escada, destinado aos que pensavam «fora da caixa», nome carinhoso que, internamente, davam à sala da qual tinha acabado de sair: um quadrado, mais precisamente.
Na sala que lhe tinham indicado só estava uma pessoa, a quem deu os bons-dias e recebeu como resposta que o fim do mundo estava próximo, que era conveniente preparar-se. Entendeu isto como um sinal e resolveu deitar contas à vida, já que ali estava e as coisas, aparentemente, se perspectivavam para esse efeito.
Cansamo-nos de ouvir dizer que o tempo não pára e a vida se faz a correr. Talvez exceptuando quem não o pode fazer por razões de saúde ou de filosofia, o certo é que frases como a inicial são comummente ouvidas, com a excepção, neste caso, dos que já não ouvem, seja por convicção ou pela perda progressiva do sentido da audição, habitualmente pelo uso e ou pela idade. Sendo este o caso, nada a fazer. Mas a vida continua e todos temos que comer ou fazer por isso, mesmo os que já não correm ou não ouvem.
Para muitos um constrangimento, para ele uma oportunidade de negócio, arredondado com a designação de «nicho de mercado», uma forma de ganhar a vida como outra qualquer, embora nem todas possam utilizar a designação acima, que é só para alguns ou algumas, coisa de bom-tom no estabelecimento da paridade, que é vento que sopra actualmente e parece que de bons ares. E isso não é mau. Pelo contrário: é bom.
Começava a gostar do sentido da especulação e atribuía isso à sala onde estava, talvez uma sala especial e preparada com efeitos especiais, daqueles que se vêem nos filmes e nas obras de ficção científica, quiçá com dedo marciano ou extraterrestre, dos que acendem uma bolinha, como o E.T. A coisa prometia, por isso. E já que o mundo ia acabar…
Muitas vezes ouvira pedidos, súplicas, recomendações ou conselhos para que as coisas se fizessem, no máximo, com «dois, três parágrafos», pois as meninges eram sensíveis e o tempo para descodificar as mensagens era escasso, logo…
O conceito apareceu-lhe como uma luz ao «fundo do túnel», em bom rigor mais por uma frincha da porta, que tinha encostado quando entrara, mas que não vedava bem. E o conceito tinha nome, que entoou com voz de barítono e levou o esperante do fim do mundo a dizer que ainda não estava preparado, se não podia vir daí a algumas horas, pois ainda queria ditar umas coisas para as memórias.
E o nome do conceito (a partir de agora uma marca) era «paragrafeiro», coisa que lhe veio como vislumbre de uma vida de sucesso e séria, que disso não abdicava. Não tinha tempo a perder e iria proceder ao registo (se possível antes do fim do mundo) e começar a sua nova vida profissional, encontrada que ela fora e que não queria, agora, desperdiçar. Como o requerimento ainda demorava e o fim do mundo estava atrasado (por ter havido supressão de comboios, segundo o esperante), a frincha de oportunidade que se abria tinha que ser aproveitada, não fosse ela fechar-se. Afinal, havia tempo. Sacou dos phones e começou a ouvir Bob Dylan. Teve sorte, reconhecia, como se fosse ela também um sinal: The Times They Are a-Changin. Like a Rolling Stone

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