O nadador
Quando lhe disseram que teria que nadar contra a corrente, ficou um pouco preocupado. Não seria um grande nadador, mas ainda se desenrascava. Sobretudo em bruços, onde quase tinha batido um recorde de meia piscina de 25 metros feita em menos de 2 minutos. Em crol também não ia mal, desde que não batesse muito com os pés. Já de costas e em mariposa é que as coisas eram mais complicadas, pois continuava a não conseguir diferenciar os estilos. Subsistia uma dúvida, no entanto, ocasionada por uma constatação que lhe parecia óbvia: naquele emprego não conseguia localizar onde é que ficava a piscina para se nadar contra a corrente, tendo procurado no manual de acolhimento se essa informação lá constava, mas, até agora, nada, embora também só tivesse lido até à página 5 e o manual tivesse 472. Talvez perguntando aos colegas lhe pudessem dizer, mas primeiro teria que estabelecer alguma relação de cumplicidade para que não desconfiassem que, em matéria de nadar contra a corrente, só se sentia razoavelmente confortável em bruços e crol.
Suspeitava que a existência de piscinas no emprego para se nadar contra a corrente devia ser uma invenção dos americanos, tendo em conta o número de medalhas que ganhavam nos campeonatos. Não deixava de ser surpreendente, contudo, pois se a invenção tivesse sido nossa a piscina seria, obviamente, a favor da corrente, de preferência só num sentido e a descer. Chegados ao fim, haveria um mecanismo qualquer, tipo bóia, que nos elevaria e manteria a flutuar até que alguém nos fosse lá buscar para outra descida. Eram formas distintas de conceber as piscinas, está visto, mas ninguém o conseguia convencer de que a nossa forma não fosse a mais adequada. Se calhar teria a ver com o fuso e com o tipo de organização, pois toda a gente sabia que nós éramos mais pelo modelo micro e os americanos pelo macro, embora os americanos aparentassem ganhar mais medalhas, devido à globalização e ao facto de o inglês estar mais disseminado.
Mas ainda havia tempo, agora que estava na página 10. Decidiu arriscar, mesmo assim, e resolveu perguntar se já era conveniente começar a nadar contra a corrente, pois (pelas suas contas) já tinha feito a digestão. Disseram-lhe para não se preocupar (don’t worry, em americano). Foi o que fez e deu mais um mergulho. A favor da corrente. Mas só desta vez.
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