07 março 2015

Perdido


Perdera-se. «Perder» era uma das palavras mais ambíguas. Aplicava-se a muitas situações, com estados e graus de perdição diferenciados. Teria que ter cuidado, pois não queria que a sua perdição fosse irrecuperável. Por via das dúvidas, era melhor fechar os olhos e fazer figas para que a sua perdição fosse das mais fáceis, de grau dois numa escala de cinco, por exemplo, e já contando com uma escolha cuidadosa da escala, para não dizer manipulada, pois havia escalas mais complexas, como a do dó-ré-mi, sobretudo para quem era duro de ouvido, que não era o seu caso, mas poderia ser (sobretudo se se perdesse), neste caso em relação à aptidão do ouvido. O risco de se perder era real, como se verificava neste exemplo, aproximando-se vertiginosamente do perigo de perdição, caso não tivesse cuidado e se afastasse da escala. Travara a tempo, porém.
Respirou fundo, pois tinha consciência de que era importante neste momento e nesta parte do texto. Era a consequência de ter uma escrita pouco cadenciada, por falta de treino e de aplicação, às vezes das duas. A constatação era óbvia: mais óbvio não havia. Dito assim, apesar de incompreensível (pelo menos para a maioria), tornava-se evidente. Acontece muitas vezes…
Como a sua perdição era, até ao momento, indefinível, apesar da escala simples, iria fazer um exercício de aproximação, mais fácil de executar do que o da exclusão de partes. Avançaria por aqui, mesmo sem GPS, coisa que também não era preocupante, pois não o sabia usar. Mesmo os mais simples, aqueles que têm uma vozinha a dizer para virar à direita ou à esquerda, seguir em frente ou fazer stop nas passadeiras. Não acertava com isso, mas não se preocupava em demasia. Confiava cegamente no seu instinto, bem mais apurado do que o GPS, devia dizer-se, embora não devesse ter sido dito, pois era um segredo. Íntimo.
E aqui a luzinha de risco de perdição voltou a acender-se, ainda com uma tonalidade mais para o alaranjado, é certo, mas já a raiar a cor do perigo, como as cultoras e os cultores de pintura o sabiam, pois a mistura de cores costumava ser uma das suas credenciais, muitas vezes ocultas. Mas para isso existiam os críticos…
Mesmo sem GPS (ou talvez por causa disso), afastara-se do rumo que estabelecera, embora desconhecesse qual era. Contudo, estava tranquilo. Não respirara fundo, como lá atrás, mas levantara os olhos para o céu, que era um equivalente ao respirar fundo, mas mais ainda, sobretudo nos dias de sol, pois com os nublados era mais difícil, e aí só o podíamos fazer com o fato de místicos, que era um facto de outro campeonato, regido por uma escala diferente e mais elaborada. Para este campeonato já tinha metido os papéis da inscrição, mas tinham sido devolvidos por faltar uma assinatura, mais concretamente a do encarregado de educação, que estava ausente, em parte incerta, mas continuava a ser impecável no pagamento das contas, que embora não sendo muitas eram algumas, algumas delas carotas…
E foi então que a viu. Melhor, ela acenou-lhe. Como o aceno foi grande, perdeu-se…

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