22 março 2015

Foi-se (e não, foice)

A ironia fora vista a entrar numa casa e não fora vista a sair. Nas primeiras horas ninguém se importou e nas segundas também não. Foi só nas terceiras, quase a passar para as quartas, que começaram a aparecer as preocupações e as suspeitas. A princípio não era claro qual a tendência dominante, se a da preocupação ou a da suspeita, mas rapidamente se estabeleceu um consenso em torno da expressão «preoc-suspec», que dava um ar até modernaço, quase do domínio da gestão, ciência que não era para toda a gente. Estavam pois as pessoas em estado de preoc-suspec quando, vindo não se sabe de onde, apareceu um cão. Foi uma excitação geral, que abrangeu mesmo os curiosos, umas alminhas que costumam aparecer em situações habituais de preoc-suspec. Mas havia que tentar encontrar explicações para o que se estaria a passar. Após várias tentativas, que tinham mais de várias do que de tentativas, alguém se lembrou de consultar o catálogo das preoc-suspec para sair do impasse. Todos concordaram, excepto um, que era céptico, mas que desta vez tinha razão: o catálogo não existia. Aliás, «Como poderia existir?», perguntava-se, e acabavam por lhe dar razão os outros, os não-cépticos, que eram a maioria menos um, «Se a expressão tinha acabado de ser inventada e ainda permanecia no estado de neologismo, como o uso do itálico atestava?». E foi neste momento que a consternação resolveu aparecer, cansada de estar a observar, de longe, mas mortinha por se chegar e participar. Chegou e o desânimo apoderou-se de todos. A ironia já era.

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