21 março 2015

A tara



Desenvolvera uma tara. Para os que não acreditavam, aí estava a resposta ao seu cepticismo: a sua tara crescera, desenvolvera-se e transformara-se numa bonita tara.
Tudo começara num dia, como o de hoje, com a Primavera já entrada, como a de ontem. A Primavera chegara de armas e bagagens, disposta a arrasar. As armas eram as de anos anteriores, mas as bagagens não.
Como estávamos em Março, toda a gente se preparava para os dias que aí vinham: «manhã Inverno e tarde Verão». Quem achasse estranho que aprendesse o ditado, que era fácil, e até servia de refrão para cantorias, sobretudo quando as ocasiões se proporcionavam e as pessoas se dispunham a cantar.
Vinda a Primavera, que chegava sempre a tempo e com data marcada, como a de ontem, que chegou cerca das 23h00, no comboio da noite, e até trouxe um bónus, um eclipse, em rigor ainda com o fato de Inverno, mas assim como uma prenda que a estação anterior dava à seguinte, o que era elegante e revelava uma educação cuidada, própria de estações do ano.
Tinha sido bonito, segundo lhe disseram, mas que ele não vira, pois estava a trabalhar num gancho, actividade que desempenhava para além da que fazia nas horas normais, de que não se irá falar, pois não está relacionada com a tara, que foi o que nos trouxe aqui. Não defraudemos os leitores, por conseguinte.
A actividade de gancho era o que era, como se compreende, mas tinha as suas vantagens. Uma delas era o salário (melhor do que o outro, diga-se, até porque era limpo e higienizado). Outra era a de o trabalho ser ao ar livre, o que não era mau, pois sempre lhe dava vantagem na obtenção de uma tez bronzeada primeiro do que todos, o que também contava e dava um atractivo especial ao gancho.
De facto, não era para todos que se estivesse já com um assinalável bronzeado em Abril, antes das «águas mil», consequência de as tardes de Março, as de Verão, serem bem aproveitadas. E talvez tenha sido por isso que, num belo dia, melhor dizendo, numa bela tarde, pois estávamos em Março, viu, junto a uma moita, aquela que viria a ser a sua tara.
A princípio, não se apercebeu que estava ali uma tara. Só quando se aproximou é que verificou que a tara tinha sido abandonada, mas aparentava estar bem tratada. Ficou siderado. Reagiu, contudo, e depois de ter confirmado que a tara não tinha sido deixada ali por engano nem se tratava de uma cena para os Apanhados, pegou na tara e levou-a para casa. Logo explicaria à vizinhança onde a arranjara, o que aconteceu, e também a vizinhança acabou por se afeiçoar a ela.
Os anos passaram e a tara teve um desenvolvimento comum às diversas idades das taras: a infância, a puberdade, a adolescência, e a adulta, onde se encontra agora. Das diversas fases da tara, a da adolescência foi a mais complicada, mas isso já se estava à espera, e o próprio psicólogo já o tinha posto de sobreaviso. Tirando isso, nada de mais.
Parece que foi ontem, mas a minha (a nossa, melhor dizendo, pois a vizinhança também é responsável e ajudou muito) tara está adulta e vai iniciar-se na vida activa, depois de ter tirado o curso de tara, e sempre com as melhores notas!
Qualquer dia (que espero ainda venha longe) a tara sairá de casa. É a vida e também acontece às taras.
Quando isso acontecer, faremos uma festa. Não sei ainda quando vai ser, mas está garantido que será de arromba, embora sem taradices! Haja respeito.


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