23 novembro 2008

Leitor em fuga

O hábito, condições várias, a crise, o que quer que fosse, determinavam aquele comportamento: não comprava livros, mas lia muitos. E não era nas bibliotecas - era nas próprias livrarias. Todos os dias, de Verão ou de Inverno, quentes ou frios, secos ou chuvosos, escolhia a sua livraria e dedicava-se à leitura: de relance, algumas vezes, compenetrada, noutras. Durante anos, fez isto dias e dias. Nas livrarias que frequentava, todos o conheciam. Ninguém sabia como se chamava, se tinha família ou quantos anos tinha. Ele, por sua vez, não falava com ninguém e, aparentemente, não dava mostras de que isso o incomodasse ou o inibisse. Para alguns empregados ou empregadas, porém, inclinava ligeiramente a cabeça, como sinal de reconhecimento ou empatia, às vezes com um ténue sorriso. E era só. Os dias e os anos passaram, sempre nesta cadência. Os próprios empregados se acostumaram. E também os clientes mais assíduos. Chamavam-lhe, não sem alguma ternura, «leitor em fuga». E «leitor em fuga» ficou. Um dia, o nosso «leitor em fuga» não apareceu. No outro, também. E perdeu-se o rasto ao «leitor em fuga», tornado mistério na ausência, como já o tinha sido no aparecimento. «O que lhe teria acontecido?...», interrogavam-se os empregados e os clientes assíduos, seus companheiros de partilha e de gosto. Um mistério, portanto. Até um dia, espera-se. Alguém viu o «leitor em fuga?»...

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