Binte!
Era uma das figuras mais conhecidas na tertúlia do dominó: magro, de fato ou samarra, chapéu na cabeça. Já era velhote quando eu o conheci, mas de feitio e de postura nada envelhecidos. Partilhava connosco - que éramos mais jovens - a sua vida intensa e preenchida, e onde avultavam - não raras vezes - as suas façanhas de conquistador endiabrado. Para nós, era como se fosse um avô: com pinta, graça e muita irreverência. Para ele, talvez, seríamos uma espécie de netos ou, na linha tradicional daquelas bandas, uma rapaziada com quem gostosamente se partilhavam dias e momentos de vida, numa versão lúdica de passagem de testemunhos e de vivências.
Gostava muito de jogar dominó. Não que fosse um grande jogador, mas um apaixonado pelo jogo e por tudo o que ele representava: emoção, desafio, disputa. E de se bater contra os jovens, de preferência. Contra os «mágicos», os «professores» ou os "leôncios", tudo etiquetas apostas à rapaziada mais nova que o desafiava. E era com a rapaziada mais nova, não há dúvida, que esse nosso velho companheiro mais se entretinha. A maior das vezes com derrota certa, é um facto, mas sempre inconformado até mais não - «Eu sou uma fraga dura!» - era a orgulhosa divisa que ostentava. E nós acreditávamos.
Estando a jogar numa qualquer mesa, era certo e sabido que todos os olhares e atenções seriam para lá deslocados. Era um espectáculo só por si, para além de tudo o mais. Conhecedores do estilo e da exuberência deste jogador, havia muitos pequenos truques para o desestabilizar, a maioria das vezes só para o ouvir dizer, com lamento, a fatídica palavra «Passo...». Quando as coisas corriam bem, contudo, o pagode e o divertimento também estavam assegurados. Sendo o dominó um jogo de pontos, ainda me lembro quando este nosso velhote, com a pedra firmemente prensada entre o polegar e o indicador, esta era projectada - quantas vezes para a rua - de encontro às dos adversários ou parceiros, depois de um batimento mais forte na mesa e de um sonoro e entusiástico: "Binte!".
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