08 agosto 2020

Aura em teste

Olhou em volta e procurou um sinal. Nada no chão, na parede, nem no tecto. A última esperança residia no rodapé. E lá estava ele, de facto. Se havia certezas na vida, o sinal no rodapé era um deles. Bom e fiel rodapé, quantos e quantos sinais tinhas fornecido, de forma desinteressada e solidária!... E este sinal era aquele de que estava a precisar, não havia dúvidas: um sinal gold, quase a fugir para o platina! Verdadeira caixa de correio de sinais, a ranhura do rodapé fornecia as condições necessárias para que os sinais referenciassem a sua presença, na maioria das vezes sob a forma de folhetos promocionais, que uma traiçoeira aragem (sempre traiçoeiras, as aragens...) conduzia ou induzia para lá, para a frincha do rodapé, à espera que uma alma caridosa ou que para lá caminhe o venha resgatar de uma cura de pó ou de encontrões de vassouras ou aspiradores, quando não pontapés de frustrados jogadores de bola ou de empreendedores dos sete costados derreados por mais uma crise e à espera de uma mão salvadora do pai Estado, sempre presente, em sonhos ou pesadelos, decida quem quiser e puder... E o folheto dizia: «Resgate a sua aura. Faça o teste e tenha um bom dia». Nem mais!

Já há algum tempo que andava preocupado com o estado da sua aura. Não se incomodara, ao princípio, pensando que seria coisa normal, fruto de uma  vida assoberbada com realidades pouco dadas à aura, mas necessárias, mesmo assim, à manutenção da alma titular da aura. Em suma, acabaria por acomodar a aura às circunstâncias, com mais ou menos barriga, peito descaído ou rugas, mas preservando, dentro do possível, que isso se reflectisse na aura. Isso é que não! Mas chegara o momento de avaliar a sua aura e, quiçá, encontrar outras auras com as quais pudesse partilhar algumas das angústias, receios e sonhos com que toda a aura se confronta, habitualmente em dois, três momentos ao longo do dia, ao levantar, à hora das refeições e ao deitar. Iria fazer o teste.

A sala onde se encontrava era muito agradável, mobilada com gosto e um suave encanto, a revelar mão de alguém, por certo, com uma aura recomendável e candidata a apresentação à família. Estava com a sua gente! E a sua aura também concordava, pois piscara-lhe o olho, de forma maliciosa, não era normal, mas revelador do contentamento que mostrava, pedindo-lhe desculpa por querer descobrir as maravilhas que o local oferecia, uma verdadeira cornucópia de guloseimas, passe a expressão, para auras à procura de conforto e libertação. Perdi-a de vista, por conseguinte, e dirigi-me ao balcão para obter o teste e proceder ao pagamento.

O teste era acessível e respondi-lhe sem necessidade de cábulas. Conhecido o resultado, «aura dispersa», (não me surpreendia) com áreas claras e escuras mais ou menos equivalentes, seguia a proposta para um plano individualizado e eficaz, não havia dúvidas, tudo pelo módico preço de X, pagável em prestações suaves, gostamos de ter o aqui e força, que a sua aura vai agradecer-lhe! Agradeci e disse que ia pensar. Quando procurava a minha aura para regressarmos, não quis vir. Descobrira que a vida comigo não a satisfazia na sua plenitude de aura, agora que se descobrira como aura radiante. Despediu-se sem hard feelings e desejou-me felicidades. Retribui, é óbvio, e disse-lhe que estava contente por ela já saber exprimir-se em inglês. E o espaço vazio anteriormente ocupado pela minha ex-aura iluminou-se...


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