12 abril 2015

O plano


Nunca seria famoso pelos planos. Também não seria famoso por outra coisa qualquer, mas isso não o preocupava tanto como o juízo que se faria sobre a sua incapacidade para fazer planos. Em desespero de causa tentou mais um, este de leitura, embora ainda subsistissem dúvidas se não seria antes de leitor. Iria ver como o desenvolvimento do plano decorreria e depois veria qual o objectivo e o nome que lhe daria e que estaria de acordo, como é de norma e faz farte dos requisitos de qualquer plano, mesmo que não se concretizem.
Não encontrava explicação para esta sua incapacidade, pois nascera num país que abundava neles, em planos, se bem que já com uma concorrência feroz de estratégias, que procuravam assumir o papel que deveria ser, por direito, dos planos, mas que começava a ser ocupado pelas estratégias, que provinham de uma área mais dura e sigilosa, muito ligada às questões militares, mesmo para quem não tinha feito a tropa, ou da área da gestão, que também gostava muito de se ver como diferente e entendida, com pequenos problemas pelo meio, é certo, mas a que se tinha que dar o desconto dos mercados, pois nem sempre estavam sintonizados com o plano ou a estratégia, que às vezes se confundiam. Mas esta conversa começava a afastá-lo do seu objectivo, que não era militar nem de gestão, mas sim de livros ou de leitor.
Após muito matutar e de proceder a diversas consultas, resolveu atirar uma moeda ao ar a ver o que é que dava: se cara, seria de livros, se coroa, ficaria de leitor. Saiu coroa. E ficou decidido que seria de leitor, o que já sabia, note-se, pois manipulara o lançamento da moeda, quando escolheu a de 50 cêntimos, que era mais leve, em detrimento da de 1 euro, mais pesada, e pondo em prática um conceito estratégico, o da ilusão, que aprendera num livro de histórias aos quadradinhos, mas de que não se revelará o título, pois está classificado. Avançaria pois (e em força!) para o plano de leitor, cuja escolha tinha sido manipulada, mas era o que mais lhe convinha e se lhe adaptava, outro conceito estratégico que tinha aprendido, desta vez num manual de dietas de verão, mas que podia aplicar-se a todas as estações do ano, com as devidas alterações.
Sendo de leitor, o plano tinha tendência a transformar-se numa coisa (potencialmente) mais complexa, o que tinha sido acautelado com a inclusão do advérbio entre parênteses, mas também permitindo alguma flexibilidade, se levadas em conta as condicionantes e o contexto nacional e internacional, habitualmente instáveis, redacção que começava a entusiasmá-lo pela simples razão de não perceber patavina do que queria dizer, mas que lhe parecia soar muito bem e em linguagem de plano (embora também se pudessem detectar alguns laivos de estratégia), dando-lhe alguma esperança de que desta vez é que seria e que (finalmente!) conseguiria fazer um plano. Mas ainda era cedo para cantar vitória.
Concebido para ser posto em prática no Verão, o plano foi iniciado em pleno Inverno, ainda em fase de testes, é certo, mas já com uma margem de progressão muito significativa, pondo em evidência as suas potencialidades e capacidade de adaptação, como se tornou evidente no pormenor das luvas (já corrigido, entretanto), que manifestamente não se mostravam adequadas para o folhear, uma das tarefas fundamentais do acto de ler, mas que permitiu vir ao de cima a proverbial habilidade do desenrasca, capacidade pátria reconhecida e registada, que consistia em soprar nas folhas um bafo de ar quente, no volume e velocidade certas típicas dos planos, com o auxílio dos dedos permitia mudar de página, evitando o risco de se perder o ritmo e o fio condutor da trama, habitualmente frágeis, coisa que se procuraria evitar a todo o custo, mesmo com riscos para a própria saúde, neste caso sob a forma de resfriado ou resfriamento das pontas dos dedos. E isso não se queria nem fazia parte do plano.

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