11 abril 2015

Cagarolas


Sempre desejou ser cagarolas. Nem precisou de se apurar muito, pois a propensão para cagarolas era algo que se vislumbrava desde pequeno, parecendo mais do domínio da vocação, que já era evidente. Ao contrário dos amigos e amigas de infância, que ambicionavam carreiras (mais ou menos fugazes e efémeras) enquanto heróis (de novela ou pacotilha), médicos, engenheiros, polícias ou bombeiros, a sua ambição era, apenas, a de ser um cagarolas honesto e cumpridor, com direito a umas férias de 15 dias para fazer de Rambo, habitualmente em junho, que era o mês que destinava habitualmente à desintoxicação do estado de cagarolas e onde se praticavam os melhores descontos nos programas de férias.
Acabadas as férias, porém, regressava ao seu estado de cagarolas com alguma satisfação, pois já estava um bocadinho farto de fazer de Rambo durante os quinze dias de férias, nomeadamente a partir do 9.º/10.º dia, em que a rigorosa dieta de sobrevivência começava a bulir com o aparelho digestivo, por excesso de fibras, e o estado de excitação permanente, por ingestão de adrenalina, lhe complicava o sono e o descanso, que eram mais do tipo pantufas.
Chegava a casa, pois, com a cabeça e o corpo fartos de serem Rambos, para além das equimoses e da pronúncia, que era fechada e custava a perder, até porque não podia ir ao Brasil para a abrir, embora talvez não fosse, mesmo assim, por ser caguinchas e ter medo de andar de avião, e também não se dar muito bem com a viagem por barco, porque enjoava. Não ficava preocupado, contudo, porque a pronúncia à moda do Rambo voltava a abrir passados dois, três dias, no máximo, que era o tempo necessário para recomeçar a acentuar as vogais, sobretudo as esdrúxulas, pois continuava a não subscrever o Acordo Ortográfico, apesar de, em tempos, ter tido uma recaída.

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