O caixote do lixo
Parecia ser um dia de trabalho igual aos outros. Apesar do vento, que nesse dia soprava com uma força que se fazia notar, nas pessoas e nos objectos, todas as rotinas diárias típicas dos dias de trabalho - levantar, ir ao pão, tomar o pequeno-almoço e rumar para o trabalho - se mantinham, aparentemente inalteráveis. Pelo menos, era o que ele pensava.
A caminhada levava já alguns minutos e a distância percorrida estimava-a em termos horários, dentro dos limites e do controlo que tinha estabelecido para o percurso, mantendo-se fiel aos seus hábitos e modelos organizativos, para ele necessários.
Deslocava-se com alguma dificuldade, aconchegado ao sobretudo (já um pouco coçado, comprado numa feira de província, em tempos), pois, como se disse, nesse dia o vento fazia-se sentir e o nosso amigo sentia-o, recordar-se-ia mais tarde...
A surpresa, pois de uma verdadeira surpresa se tratava, apanhou-o num momento de reflexão com os seus botões, momentos também típicos do seu dia-a-dia, banal, repetitivo e corriqueiro. Mas alguma coisa iria mudar.
A princípio não se apercebeu, tão absorto que ia, mas algo instintivo o alertou, como se algo que há muito estava adormecido, porque desnecessário, resolvesse mostrar a razão da sua existência e porque é que era um mecanismo que, desde sempre, zelara e ajudara a manter a espécie.
Era bizarro e, sobretudo, inquietante - lembraria, mais tarde - que um objecto familiar e inanimado, supostamente inócuo e com o qual se cruzava todos os dias, pudesse assumir contornos e uma faceta agressivos, dignos das melhores histórias sobre «mitos urbanos». Acreditando ou não em mitos urbanos, o facto é que o nosso cidadão comum iria vivenciar uma experiência fantástica, daquelas em que não se acredita e, muitas vezes, se põe em dúvida a própria sanidade mental de quem a protagoniza ou julga ter protagonizado.
Passava no passeio e, de repente, aquele instinto adormecido agitou-se e fê-lo desviar-se de algo que se precitava na sua direcção com intuitos ameaçadores, bramindo uma agressividade insuspeita e amedrontadora, dada a sua natureza, até aí aquietada, de objecto inanimado.
Num ápice, desviou-se. A sua respiração sobressaltou-se, mas conseguiu controlar-se e olhar de frente para o «agressor», que só agora descortinava e a quem media a distância, disponível para se defender ou, se necessário, atacar. Estava pronto.
Na estrada, os automóveis faziam-se ao caminho, cegos ao drama que se verificava a poucos metros, no passeio, concentrados no asfalto e nos sinais de trânsito, ciosos do seu lugar nas filas intermináveis.
Mas o que o tinha «atacado», afinal? (perguntava-se), enquanto recuperava da surpresa e o seu corpo se retesava com cargas de adrenalina, necessárias para o «confronto»: um caixote do lixo!!!... Sim, um caixote do lixo, pasme-se!
O que é certo, é que o nosso homem nunca mais foi o mesmo. Embora algumas pessoas lhe tivessem explicado o que real e verdadeiramente tinha acontecido - uma conjugação aleatória de factos banais, como eram o arrastar de um caixote de lixo (vazio, ainda por cima) por uma rajada de vento mais forte - nada o fazia o demover nem renegar a sua experiência traumatizante, dizendo, concludentemente: - «Podem ter razão, mas quem foi atacado foi eu!».
Nunca mais foi o mesmo.
Ainda agora, passado tempo suficiente, mesmo em dias de sol radioso e sem vento, nunca mais a visão de um caixote de lixo deixou de o atormentar... Haja outro Hitchcock - se é que isso é possível... - e a trama de «Os Pássaros» ainda tem um remake ... Sob a forma de um caixote de lixo!...
A caminhada levava já alguns minutos e a distância percorrida estimava-a em termos horários, dentro dos limites e do controlo que tinha estabelecido para o percurso, mantendo-se fiel aos seus hábitos e modelos organizativos, para ele necessários.
Deslocava-se com alguma dificuldade, aconchegado ao sobretudo (já um pouco coçado, comprado numa feira de província, em tempos), pois, como se disse, nesse dia o vento fazia-se sentir e o nosso amigo sentia-o, recordar-se-ia mais tarde...
A surpresa, pois de uma verdadeira surpresa se tratava, apanhou-o num momento de reflexão com os seus botões, momentos também típicos do seu dia-a-dia, banal, repetitivo e corriqueiro. Mas alguma coisa iria mudar.
A princípio não se apercebeu, tão absorto que ia, mas algo instintivo o alertou, como se algo que há muito estava adormecido, porque desnecessário, resolvesse mostrar a razão da sua existência e porque é que era um mecanismo que, desde sempre, zelara e ajudara a manter a espécie.
Era bizarro e, sobretudo, inquietante - lembraria, mais tarde - que um objecto familiar e inanimado, supostamente inócuo e com o qual se cruzava todos os dias, pudesse assumir contornos e uma faceta agressivos, dignos das melhores histórias sobre «mitos urbanos». Acreditando ou não em mitos urbanos, o facto é que o nosso cidadão comum iria vivenciar uma experiência fantástica, daquelas em que não se acredita e, muitas vezes, se põe em dúvida a própria sanidade mental de quem a protagoniza ou julga ter protagonizado.
Passava no passeio e, de repente, aquele instinto adormecido agitou-se e fê-lo desviar-se de algo que se precitava na sua direcção com intuitos ameaçadores, bramindo uma agressividade insuspeita e amedrontadora, dada a sua natureza, até aí aquietada, de objecto inanimado.
Num ápice, desviou-se. A sua respiração sobressaltou-se, mas conseguiu controlar-se e olhar de frente para o «agressor», que só agora descortinava e a quem media a distância, disponível para se defender ou, se necessário, atacar. Estava pronto.
Na estrada, os automóveis faziam-se ao caminho, cegos ao drama que se verificava a poucos metros, no passeio, concentrados no asfalto e nos sinais de trânsito, ciosos do seu lugar nas filas intermináveis.
Mas o que o tinha «atacado», afinal? (perguntava-se), enquanto recuperava da surpresa e o seu corpo se retesava com cargas de adrenalina, necessárias para o «confronto»: um caixote do lixo!!!... Sim, um caixote do lixo, pasme-se!
O que é certo, é que o nosso homem nunca mais foi o mesmo. Embora algumas pessoas lhe tivessem explicado o que real e verdadeiramente tinha acontecido - uma conjugação aleatória de factos banais, como eram o arrastar de um caixote de lixo (vazio, ainda por cima) por uma rajada de vento mais forte - nada o fazia o demover nem renegar a sua experiência traumatizante, dizendo, concludentemente: - «Podem ter razão, mas quem foi atacado foi eu!».
Nunca mais foi o mesmo.
Ainda agora, passado tempo suficiente, mesmo em dias de sol radioso e sem vento, nunca mais a visão de um caixote de lixo deixou de o atormentar... Haja outro Hitchcock - se é que isso é possível... - e a trama de «Os Pássaros» ainda tem um remake ... Sob a forma de um caixote de lixo!...
Etiquetas: Historieta
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