05 dezembro 2007

Conversas com o meu Jardineiro

Passados anos, dois colegas de escola reencontram-se. Um, pintor, urbano e em crise, encontra-se num impasse, emocional e criativo. Outro, reformado dos caminhos-de-ferro, jardineiro por vocação e anseio, rústico, aquietado e confortado pelo seu ramerrame.
Muitas coisas os separam: a condição social, a visão do mundo e as expectativas. Une-os a memória de infância, de brincadeiras partilhadas no espaço e nos bancos da escola, espaço de «partilha e igualitarização social» por excelência, pelo menos segundo o desenho e a proposta de algumas teorias e práticas pedagógicas. Mas também aqui, no valor e no peso da memória, as diferenças entre o pintor e o ex-ferroviário, que se assume e realiza como jardineiro, são visíveis: mesmo que dolorosa, presente e permanente no rural, esbatida e lassa no urbano.
A (re)criação e a manutenção de uma horta vai permitir o (re)encontro e o (re)avivar de memórias e da relação de amizade, num percurso evocativo e simbólico, que decorre nos «espaços» tradicionais da mundividência telúrica: o da «casa», espaço e lugar da família, seguro e protector; e o da «terra», o da «horta», o do «enraizamento», cenário privilegiado para a manifestação do «cuidar de», do «acompanhar», do «organizar» e do «frutificar», isto é, o espaço destinado ao «maravilhamento», ele próprio «inspirador» e «criador». Em qualquer dos casos, ambos possuindo uma carga afectiva e simbólica fortes e estruturantes.
Dois homens, dois percursos, duas sensibilidades, aparentemente opostos, aprendem a descobrir e a (re)descobrir-se, num processo mútuo de aprendizagem, de acordo com o ritmo e a cadência dos tempos cronológico, meteorológico e psicológico. Nesta aprendizagem, usam e fruem o diálogo como meio e instrumento de auto-(re)conhecimento. É, se quisermos, a (re)descoberta dos méritos e das potencialidades de um método ancestral, o socrático, que aqui se afirma e revela em todo o seu esplendor.
Conversas com o meu Jardineiro é um filme, pois de um filme se trata, em que se (re)cria a história, mil vezes contada e (re)contada, do regresso e da necessidade do «voltar às origens», numa incessante interrogação sobre os seus fins e os seus limites. É um filme sobre a (re)criação da identidade e das vantagens da harmonia, ao nível dos afectos, das emoções e das vivências.
Conversas com o meu Jardineiro é um filme para nostálgicos, mesmo que descrentes. Muitos se reverão nele, sobretudo os que, em determinado momento ou circunstância, alguma vez tenham idealizado ou (re)criado um «mítico voltar às origens», quer para se (re)identificarem consigo próprios, quer para (re)descobrirem uma «original e primacial» pureza: no ser e estar na vida, nos afectos ou nas manifestações da e pela arte.
Conversas com o meu Jardineiro toca-nos, talvez por já não se estar habituado a ver filmes assim: simples e belos, quase pueris. Por isso também, é um filme nostálgico. Mas é, paradoxalmente, uma nostalgia gratificante. Das que nos fazem sonhar e encantar.
Conversas com o meu Jardineiro é um lindo filme e uma bela história. Das que ficam e das quais se gosta. Por ele passam todas as grandes (ou pequenas) questões que nos interessam e que interessam: sobre a vida, sobre a morte, as alegrias e as tristezas, a amizade, a família, os filhos, os amores e os desamores, a arte, sobre o «ser» e o «estar» na vida e no mundo. Talvez por isso (quem sabe?...), seja um filme para nostálgicos.

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