À procura da paisagem interior - amostra 14
Olhou para o céu e detectou duas ou três nuvens, ainda a formar-se e a serem puxadas pelo vento, uma indicação de que podia estar a virar o tempo, ficando a dúvida para onde se dirigiriam...À porta do supermercado, meia dúzia de clientes aguardavam a abertura do estabelecimento, surpreendendo-se pela sugestão de um funcionário para se deslocarem da porta onde se encontravam para uma outra, situada um pouco mais longe, pois haveria «um problema técnico» com a abertura da primeira. Que tivessem paciência, era já ali... Apesar de «ser já ali», notavam-se alguns sinais de desconforto em quem se tinha preparado para o «ali» que tinham escolhido inicialmente, que maçada!, mas lá teria que ser... e iniciavam a caminhada para a outra porta, excepto no seu caso e de mais duas pessoas, que ainda tinham esboçado a caminhada em direcção à outra porta, mas que rapidamente interromperam, pois se apercebiam de que a porta com o problema técnico começara a levantar, e sob a qual aparecia a cabeça e se ouvia a voz do funcionário, outro que não o primeiro, a garantir «problema resolvido!»... Já lá dentro, cruzava-se com quem tinha entrado pela porta alternativa, aparentemente não muito satisfeitos quando constataram que a porta inicial afinal se abrira, o que motivava alguns comentários um bocadinho antipáticos, de que fixara o que se referia ao «dia das mentiras ainda vir longe...». Feitios... Assinado, PI.
Tinha sido a tempo que identificara a proveniência da mensagem, uma vez que já estava a preparar-me para a apagar, antecipando uma possível contaminação de hacker ou de um tipo específico de chalupas que, não sabendo como nem porquê, nos últimos tempos me tinham elegido como tutor literário e conselheiro de escrita, que raio de raça esta!... Deveria ter sido coisa que terei feito numa outra vida, estando agora a pagar por isso... Só pode!...
O que quereria a PI, no entanto, ao mandar-me aquela mensagem...? Antes que me atazanasse a cabeça, o melhor era contactá-la.
_ Olá, PI. Vi a tua mensagem. Confesso que não percebi grande coisa... Estavas no supermercado e descrevias a situação, é isso...?
_ Mais ou menos... Mas não era eu!...
_ Não eras tu...!? Alguém teu conhecido, então...?
_ Não! Pas du tout!... Wrong, my dear!... Era uma personagem... Não, eram mais!... E agora, o que é que lhes faço!?...
(Personagens...!? O que é que dera a esta alma, agora...? Será que a PI estaria a escrever uma ficção...? Pior ainda, será que fazia parte do grupo dos chalupas que me tinham elegido como uma espécie de guru...!? Mãe Santíssima!, Nossa Senhora me valha!...)
_ Calma, PI. Não te precipites. Diz lá: estás a escrever e queres criar personagens, é isso...?
_ Sim, talvez... Mas o que é que eles comem...? Ou bebem...? Também namoram...? fazem amor...? E dinheiro, têm problemas de dinheiro?... ou de saúde...?
_ Sim..., julgo que podem ter, ser e fazer isso tudo... Tu é que decides!
_ E eles não se ofendem...!?
_ Bem... Se se ofenderem, tens bom remédio: acabas com eles!...
(No outro lado da linha, comecei a ouvir um uivo da Marmela, seguido de um ladrar. Deixara de ouvir a minha interlocutora)
_ PI! Estás bem, PI!?...
_ Sim, mon cher. No problem!... É só a Marmela.... Tem saudades do Senupe... Só isso. E quanto às personagens...tratas delas...? É que a mim não me dava muito jeito, agora...
_ São muitas...?
_ P'rá aí uma dúzia!... Mas comem pouco!... Quanto a bebida, porém...? É melhor arranjares uns garrafões!
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