A daninha e o versejador
Não era habitual baterem-lhe à porta àquela hora. Quem seria?
_ O vizinho das escritas dá-me licença...?
_ Olá. Então, como é que passa?
_ Mal. Não posso com dores...
_ Ora, ora, então...? Já foi ao médico?
_ Ao médico!? Não é preciso. Estou forte e rijo! Apesar da idade... ainda faço a minha perninha, t'á a perceber?... ( e piscava o olho).
_ Então, se não tem dores, de que é que se queixa...?
_ De amores!... É isso que me traz desgostoso... Ai, amigo das escritas, se aquela daninha quisesse!...
_ Daninha!?... Não se apaixonou por uma erva, pois não?... É que se é um problema desses não tem que falar comigo, mas com a minha prima, que é das coisas da cabeça, mas hoje não está em casa, está de banco. Quer lhe marque uma consulta...?
_ Qual consulta, homem!?... Eu quero é lá saber de consultas!... Quero é que me escreva uns versos para uma moça, um pouco mais nova do que eu, a ver se me aceita e se quer juntar-se... O vizinho das escritas não me arranja aí uns versos desses, daqueles de que as mulheres gostam, cheios de beijos...?
_ Bem... não é bem a minha especialidade... Eu sou mais de histórias, sabe, de versos não percebo muito... E as histórias são um bocadinho... bizarras, está a entender?...
_ Bizarras?!... Qu'é lá isso!?... Não, bizarras ou bizárrias (que raio de nome!) não... Então você, uma pessoa com estudos, não é capaz de me arranjar uns versos...? De amor, pois então?... Para que é que andou a estudar...?
_ E uma carta...? Quer que lhe escreva uma carta?
_ Quero! Mas sou eu que a dito!
_ Pode ser. Diga lá, então.
_ «Minha querida vizinha, porque quem tanto suspiro, só quero que sejas minha, e anda morar comigo. Não sejas daninha, agora, que senão eu vou-me embora, tenho 84, mas só por fora, e tu 63, mas não se nota. Dá-me um beijo repenicado, que é o melhor tempero, e comigo a teu lado, teu galante namorado. Vamos...».
_ Chega, chega, homem!... Ainda mata a mulher, caraças, com tanto entusiasmo!... Já reparou que a maioria do que ditou está em verso...?
_ Não me diga!?... Foi ela, foi ela, vizinho das escritas!... Aquela daninha!... Foi feitiço que me lançou, está visto!... Já viu, daninha que é!?...
Etiquetas: Falatórios
<< Home