12 maio 2019

Sentido tratado

A frase começou a correr e a fazer o seu caminho. «Havia coisa no ar», dizia-se. Como sempre acontece, desconhecia-se quem a tinha proferido e em que circunstâncias. Podia ser uma coisa séria ou uma brincadeira, um efeito oco ou um impacto tremendo. Uma coisa, contudo, era certa: despertara a sua atenção!
Não era fácil despertá-la, reconheça-se. Muitas vezes se interrogava se ela não teria sucumbido ao efeito da mosca do sono, o efeito tsé-tsé, ou se a explicação era mais simples do que isso. Por exemplo, que a sua atenção gostasse verdadeiramente de dormir, mesmo sem o tsé-tsé. Que fosse algo que fizesse parte da sua natureza, como pôr-se em sentido sempre que ouvia determinado tipo de música. Ou saltar-lhe a tampa quando se apercebia de que os ingredientes na cozinha não se encontravam alinhados de acordo com o calendário, ou seja, mais apontados a Setembro do que a Março. Tinha que descobrir o que é que aquela frase tinha.
A experiência aconselhava-o a consultar as fontes. Pegou no tambor e executou os toques combinados, trocando a cadência de forma a encriptá-los e a evitar que fossem descodificados por fontes não autorizadas. E ficou a aguardar a resposta. Que chegou passado pouco tempo, mas que não era a que estava a contar.
Segundo as fontes, a mensagem era incompreensível. Os toques da mensagem que enviara apontavam numa direcção e saíam para outra. Que esclarecesse o que queria, se a resposta para o sentido da frase, se a receita para o esparregado de nabiças. Que desculpasse, mas era o que a mensagem enviada dizia.
A resposta das fontes deixara-o preocupado, para não dizer perplexo. Para tirar as dúvidas, voltou a pegar no tambor e tamborilou a mensagem, de novo, apenas para os seus ouvidos. As fontes não tinham razão: a mensagem que enviara era efectivamente sobre como interpretar o sentido da frase «aqui há coisa» e não sobre a receita do esparregado de nabiças.
Por um fenómeno inexplicável (ou talvez não), os sentidos tinham-se misturado. E a explicação só podia ser uma: o sentido da frase estava contaminado! A dúvida seria se por um vírus ou por um pulgão.










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