Ver o problema
Só se apercebeu de que estava com problemas de visão quando chocou com um problema em plena via pública. Não que o problema fosse por aí além, mas porque estava em 2.ª fila e não deu conta dele, preocupado que estava com encontrar estacionamento para o carro. Começou por amaldiçoar-se por andar de carro, pois tinha a mania e o proveito de andar a pé, e também amaldiçoou a falta de estacionamentos para os utilizadores de viatura própria, que toda a gente sabe são os infelizes do costume por não lhes reconhecerem os seus direitos de terem sempre um lugar para estacionar onde quiserem, se possível amplo, seguro, à sombra nos dias de sol e ao sol nos dias de frio. Mas não ver o problema é que não estava a contar, concluindo filosoficamente que estava na altura de ir ao oftalmologista, ficando na dúvida se deveria deslocar-se a pé, o que levaria mais tempo, ou ir de carro, correndo o risco de não encontrar estacionamento ou de espetar-se de novo de encontro a um problema por não o ver, desconhecendo se ele seria mais ou menos como aquele com que chocara ou se, pelo contrário, seria um problema mais duro, daqueles que costumam fazer mossas a sério e mandar para o hospital com hematomas e fracturas diversas. Por via das dúvidas, resolveu ir a pé.
Chegado ao oftalmologista, tirou uma senha das que se costumam tirar quando se está com problemas de ver os problemas, que eram mais brilhantes do que as senhas habituais para quem só vai ao oftalmologista para lidar com problemas dos olhos, apesar de tudo mais simples.
No início, o oftalmologista fez-lhe as perguntas normais para uma primeira consulta: nome, idade, antecedentes familiares, o que é que o tinha levado ali. Respondendo às primeiras de forma fácil, só na resposta ao que o tinha levado ali é que o médico franziu as sobrancelhas, coisa que o intrigou e que o levou à suspeita de que o oftalmologista também deveria estar ele próprio com problemas nos olhos (o que não admirava), pois as consultas ocorrem com as luzes apagadas e com uns aparelhómetros nos olhos pelo qual espreitam as maleitas dos olhos dos doentes, coisas que, toda a gente sabe, fazem mal aos olhos por esforçarem a vista, que é um sentido que não gosta muito de ser forçado. Mas estava enganado, pois o oftalmologista via muito bem e nem tinha óculos (ficando por isso descansado), sendo o franzir das sobrancelhas um tique que revelara a surpresa do médico quando lhe disse que ali chegara por não andar a ver bem os problemas, querendo ter a certeza se haveria razão ou não para se preocupar ou se já precisaria de usar óculos.
Após uma pausa, o oftalmologista perguntou-lhe há quanto tempo não andava a ver bem os problemas e se isso se aplicava a todos os tipos de problemas: aos pequenos, aos médios e aos grandes. Sobre os problemas insolúveis não iriam conversar pois não eram típicos da idade em que se encontrava, aconselhando, no entanto, a colocar umas gotas por precaução.
Segundo o médico, não conseguir ver os problemas era um problema mais comum do que se pensava, afectando a maioria das pessoas. Isso poderia acontecer por razões diversas, não havendo concordância sobre as causas ou os tratamentos, tendo que se lidar com isso. Para ilustrar o que queria dizer, utilizou uma expressão inglesa para que se percebesse e que foi esta: «I get the picture».
Quando se despediu, sossegou-o e deu-lhe um cartão com o nome e o número de telemóvel de um seu colega e disse-lhe para marcar uma consulta, mas que não se preocupasse.
Ficou satisfeito por o médico lhe ter dito para não se preocupar. E também por não lhe ter receitado óculos, pois conseguia ler perfeitamente o cartão que lhe dera, escrito em letra de médico, que toda a gente sabe que é das mais difíceis de ler, e onde se dizia «Professor F., psiquiatra».
Chegado ao oftalmologista, tirou uma senha das que se costumam tirar quando se está com problemas de ver os problemas, que eram mais brilhantes do que as senhas habituais para quem só vai ao oftalmologista para lidar com problemas dos olhos, apesar de tudo mais simples.
No início, o oftalmologista fez-lhe as perguntas normais para uma primeira consulta: nome, idade, antecedentes familiares, o que é que o tinha levado ali. Respondendo às primeiras de forma fácil, só na resposta ao que o tinha levado ali é que o médico franziu as sobrancelhas, coisa que o intrigou e que o levou à suspeita de que o oftalmologista também deveria estar ele próprio com problemas nos olhos (o que não admirava), pois as consultas ocorrem com as luzes apagadas e com uns aparelhómetros nos olhos pelo qual espreitam as maleitas dos olhos dos doentes, coisas que, toda a gente sabe, fazem mal aos olhos por esforçarem a vista, que é um sentido que não gosta muito de ser forçado. Mas estava enganado, pois o oftalmologista via muito bem e nem tinha óculos (ficando por isso descansado), sendo o franzir das sobrancelhas um tique que revelara a surpresa do médico quando lhe disse que ali chegara por não andar a ver bem os problemas, querendo ter a certeza se haveria razão ou não para se preocupar ou se já precisaria de usar óculos.
Após uma pausa, o oftalmologista perguntou-lhe há quanto tempo não andava a ver bem os problemas e se isso se aplicava a todos os tipos de problemas: aos pequenos, aos médios e aos grandes. Sobre os problemas insolúveis não iriam conversar pois não eram típicos da idade em que se encontrava, aconselhando, no entanto, a colocar umas gotas por precaução.
Segundo o médico, não conseguir ver os problemas era um problema mais comum do que se pensava, afectando a maioria das pessoas. Isso poderia acontecer por razões diversas, não havendo concordância sobre as causas ou os tratamentos, tendo que se lidar com isso. Para ilustrar o que queria dizer, utilizou uma expressão inglesa para que se percebesse e que foi esta: «I get the picture».
Quando se despediu, sossegou-o e deu-lhe um cartão com o nome e o número de telemóvel de um seu colega e disse-lhe para marcar uma consulta, mas que não se preocupasse.
Ficou satisfeito por o médico lhe ter dito para não se preocupar. E também por não lhe ter receitado óculos, pois conseguia ler perfeitamente o cartão que lhe dera, escrito em letra de médico, que toda a gente sabe que é das mais difíceis de ler, e onde se dizia «Professor F., psiquiatra».
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