29 março 2009

Gran Torino

«Abençoado!» é a palavra que me veio à cabeça, depois de ver o último filme de Clint Eastwood, Gran Torino. Que filme! Que vai tornar-se (já é), estou certo, um «clássico», partilhando esse estatuto com o do seu autor.
Clint Eastwood, o actor, quis despedir-se com uma interpretação e um papel soberbos, fazendo, simultaneamente, uma grande homenagem à tradição cinematográfica americana e aos seus géneros mais emblemáticos. Vendo e pensando o filme, é como estar a fazer uma retrospectiva dos principais contornos do western, do filme de guerra, do policial, do drama, do de intervenção militante e (por que não?...) da comédia, em suma: da história da América!
A cartilha do personagem mais típico desse cinema, o do «herói» solitário, duro e justiçeiro, isto é, nos tempos que correm, do mais «politicamente incorrecto» possível, concentra-se na personagem de Eastwood. É um personagem desfasado dos valores actuais, que desconsidera, fiel a uma matriz que o formou e o continua a orientar. É como se tivesse parado no tempo, que rejeita, e como se aguardasse uma oportunidade de partir, que o libertará (veja-se a tensão do seu corpo no funeral da esposa, por exemplo, e a pose beatífica, de uma grande serenidade, no seu funeral). Trata-se, por isso, de um filme e de uma oportunidade de redenção. Que ele, o personagem, vai aproveitar. E a história de uma «redenção», ainda para mais numa personagem e num autor como Clint Eastwood, é uma oportunidade a não perder.
Veja-se, reveja-se e reveja-se, pois, talvez a última performance de Clint como actor, que vale a pena. O seu personagem está velho e, como se disse, procura a oportunidade de redenção. Os seus valores são tradicionais e não vê quem se reveja neles. Traça uma linha recta e define o padrão do «amigo» e do «inimigo», do «bom» e do «mau», do «justo» e do «injusto», temperado pela vida e experiência. É, como se disse, uma «cartilha» muito própria, e, para ele, inquestionável: é esta e não há outra, conclui. No íntimo, é um solitário e um desenquadrado, fiel a um código de valores e a um quadro social, económico e cultural que desaparece a olhos vistos ou já irremediavelmente perdido. Resta-lhe, por isso, aguardar a morte, enfrentando-a com altivez e, até isso acontecer, continuando a «rosnar» aos vivos, que despreza. Pelo menos os que vai conhecendo, incluindo os da própria família...
Mas a vida, da qual ele já pouco ou nada espera, vai permitir-lhe - soberana ironia!... - um último gesto, altruísta, nobre e comovente, como que a ilustração de uma velha máxima - a moral e os valores sempre presentes - de que, mesmo nos corações dos «duros», jaz, latente, uma sensibilidade e um espírito de missão insuspeitos, de tão camuflados. Oportunidade que se agradece, por que única.
Talvez não seja inocente que o filme comece com um funeral, cenário de morte e de tristeza, e culmine com a paisagem de um azul lindíssimo, no céu e no mar, ao som de uma bela e muito tocante melodia, também com a participação de Eastwood. Por outras palavras, termina como um hino à vida.

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