Contas certas
Talvez da manhã, não sabia, mas era uma probabilidade... O chão mostrava os sinais de alguma chuva miudinha, mas persistente, pelo menos terá sido durante a noite, parecia, pois eram inequívocos os efeitos: na rua, nos carros, nas áreas jardinadas e, sobretudo, na cautela das pessoas, que tinham saído das casas com guardas-chuva e impermeáveis, olhando também para onde e como colocavam os pés na calçada, devido ao risco de escorregamento. Na rua, poucas pessoas. No supermercado, também. Feitas as compras, um gesto de controlo de conta paga, nem sempre concretizado, note-se, mas nesse dia aplicado, mais não fosse por descargo de consciência ou desfastio, quem sabe?... Estranhamente, uma parcela duplicada... Vista com mais detalhe, uma explicação simples mas irrefutável: sim, de facto, um artigo duplicado, e pago como tal, era estranho... As contas não batiam certo, concluiu.Que fazer...?
Lembrou-se de um tema recorrente aqui, pelo rectângulo pátrio, independentemente da época e do contexto, se bem que mais carregado quando as coisas apertam: o acerto das contas, o rigor da contabilidade no deve e haver, o bem conhecido «contas certas!»... E, neste caso, o do comum quotidiano, à escala micro, muito micro, lá se nos aparecia também o dito cujo tema, que fazer agora, mais a mais detectado, se não com pompa, mas com alguma circunstância...?
A primeira reacção foi a da fuga e o atirar para trás das costas... Anos e anos de políticas de acantonamento dos direitos, individuais e colectivos, bem como alguma displicência e, também, um aguilhoar menos doloroso da necessidade talvez explicassem esta atitude. Porém, desta vez, por recusa desse estado de coisas ou tentativa de uma espécie de «libertação», decida quem quiser, o facto é que a vontade lá orientou o sentido de deslocação das pernas, não para onde era suposto estarem a dirigir-se, mas retrocedendo até ao local de onde acabara de se sair e reivindicar os seus direitos, uma novidade!... Para abreviar, tudo correu bem, com urbanidade e simpatia, reconheça-se, uma espécie de final feliz. Lá fora, na rua, uma nesga de sol começava a rasgar o céu de nuvens. Aparentemente, as contas iam batendo certas...
Etiquetas: Sociedade
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