26 setembro 2020

Sem referências

De um momento para o outro, vira-se despojado de todas as referências. Sem aviso, alerta, nada! Ficara indignado, apesar de também esta referência do ficar indignado ter desaparecido, dispondo-se a fazer todos os possíveis e impossíveis, sem saber como, é certo, para que a realidade e a legalidade da situação, a da manutenção das referências, permanecesse. Mas iria ser duro!

Tudo começara pela manhã, um bom prenúncio, apesar de tudo, quando lhe telefonaram de uma rádio a querer marcar uma entrevista. O motivo tinha sido o lançamento de seu 45.º livro, De que me serve a flauta, se o meu jeito é o piano, obra que o tinha consagrado definitivamente como autor de literatura pop, depois de um momento de deriva em que se sentiu balançar entre a literatura profunda, em modo sinfonia, e a literatura light, modo pandeireta e ferrinhos, com um ou outro bombo pelo meio. Por aqui, estávamos conversados. Mas a conversa, pelos vistos, não estava finalizada nem encerrada, ao contrário do que sempre pensara.

As runas tinham-no avisado, mas não se apercebera. Não era rigoroso, por isso, o que se afirmava no início do texto, onde se afirmava que a perda de referências tinha chegado «sem aviso, alerta, nada!», pois a evidência das runas contradiziam-no. Não por mal, é certo, mas porque talvez isso já fosse uma espécie de prenúncio, não agoiro, note-se, de que a perda de referências estava a caminho, assim como um sintoma de que tinha sido conveniente atacar logo com um ben-u-ron ou uma aspirina acompanhada com uma xícara de chá. Não o fizera e as referências tinham-se ido!... Concluirão mais tarde os entendidos nestas coisa da perda de referências, que intervêm quando a coisa já está descontrolada e a caminho de se tornar um case study, mau para quem é alvo, mas bom para servir como laboratório vivo e palco de investigação para os profissionais que irão dedicar-se a estas coisas…

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