«Patardo»
O Quaresma marcou um grande golo à Bélgica. Dizem-me, porque eu não vi. Mas que foi um «golaço», parece não existirem dúvidas. Dizem-me também que o guarda-redes belga «nem a viu», preocupado que devia estar a arranjar forma de «partir as canelas» ao Cristiano. Azar. Sobre o golo do Quaresma fiquei mais interessado - até porque não o vi - e fui assaltado por uma dúvida: o remate do golo foi «em jeito» ou «tipo petardo»? Este tema, a hermenêutica sobre o remate «em jeito» ou como «petardo», confesso tem-me ocupado alguns dos momentos de reflexão sobre a «ciência» da bola, que a seguir passo a transpor.
Quem fez «carreira» futebolística nos clubes da terra e tarimba no circuito dos campeonatos distritais sabe que a existência de um forte «petardo» era uma mais-valia para a ambicionada titularidade e «fama nos pelados». O «petardeiro» era uma ameaça pública para a sua equipa, a equipa adversária, o árbitro, os espectadores, as forças policiais e as árvores de fruto das propriedades circundantes ao pelado! Tão famoso como o «petardeiro» só o «caceteiro», tristemente famoso por lanhos profundos em canelas, rasteiras, encontrões, insultos, pisadelas ou cotoveladas «à má-fila», e possuidor de um cadastro disciplinar «imaculado», preenchido a jogos de suspensão, sublevações mais ou menos públicas e, quando não, irradiações ad aeternum.
Se quiséssemos seriar os jogadores-tipo de uma qualquer equipa do distrital teríamos, então, estes: o guarda-redes destemido e meio maluco; uma defesa constituída por rapaziada forte e dura, com mais ou menos barriga, mais ou menos idade e mais ou menos jeito, com uma tendência militante para a «biqueirada» forte e feia, na bola, nos adversários, na terra, na gravilha e na atmosfera; no meio do campo, os «jeitosos» da bola, os rapazes que tinham por função, na maior parte das vezes, olhar angustiadamente para o trajecto da bola por cima das respectivas cabeças, pontapeada, vezes sem conta, pelas duas defesas, numa imitação credível de uma partida de ténis jogada à dimensão dos campos de futebol dos distritais, em que o meio campo servia como uma espécie de rede (por isso, a bola era ponteada para o alto...); por fim, os avançados: dois extremos, rápidos ou lentos, talentosos, manhosos ou sem jeito, verdadeiras «setas» apontadas às barreiras adversárias, e um ponta-de-lança, peitudo ou mais frágil, de chuto ou cabeçada fácil, mesmo que não direccionada.
Conhecida a «equipa-tipo», convém salientar que o jogador do grande petardo tanto podia ser um defesa, um médio ou um avançado. O que interessava era termos um. E esse era crismado, para sempre, como possuidor de um grande «patardo»! «Patardo»?! Sim, «patardo». Querem melhor exemplo da força e da imprevisibilidade do remate do «bicho» do que compará-lo à do coice?... Só quem não fez escola no universo dos distritais e no das equipas da terra pode achar estranho esta «equivalência» - corruptela, dirão os académicos. Por mim, fico-me pela expressividade do termo. Afinal quem, a não ser a equipa adversária, terá medo do «patardo»?...
Etiquetas: Face(stories), Futebol
<< Home